quinta-feira, 23 de setembro de 2010

uma história sobre lagartas

        Era uma vez duas lagartas. A primeira chamava-se XXXX e a outra YYYY. Ambas viviam num frondoso abacateiro que crescia num belo bosque arborizado, num belo parque cercado com arame farpado, localizado em um centro de cidade qualquer. As lagartas eram grandes amigas: faziam tudo juntas desde muito pequeninas. Elas apostavam corrida pelo tronco acima, ou brincavam de pega-pega pelos galhos ou jogavam esconde-esconde, se perdendo entre as verdíssimas folhas. Entretanto, com o passar do tempo, as lagartas foram ficando cada vez mais diferentes: a princípio apenas pelo lado de dentro. XXXX notara a fenda que surgia entre ele seu amigo quando eles discordaram pela primeira vez; mas ele não se assustou, pelo contrário, ele esperava com uma certeza terrível que isso acontecesse. YYYY não deu muita importância, e tudo aconteceu enquanto ele vagava sozinho pelos ramos.
         E conforme o carrossel do tempo ia girando, XXXX e YYYY iam se tornando cada vez mais diferentes; e desta vez não apenas por dentro, mas também por fora. XXXX havia perdido sua coloração verde original e havia ganhado um tom melancólico de marrom, muito semelhante à tonalidade da casca de sua imponente árvore. YYYY também deixara para trás sua coloração verde, mas ao invés da deprimência do marrom, optara pela alegria (exagerada, eu diria) das cores vivas, cada vez mais e mais vibrantes.
         Um belo dia, XXXX e YYYY andavam em direções opostas, quando se cruzaram num dos nós do galho mais alto do abacateiro. Não se falaram. XXXX tentou o contato visual, tentando arriscar um sorriso amarelo, mas YYYY apenas desviou os olhos e seguiu seu caminho. Pouquíssimos segundos se passaram. Sobre suas cabeças de lagarta ouviu-se o grito estridente de um gavião. XXXX sentiu uma vibração pouco familiar subir pela sua espinha de invertebrado e uma gota de suor gelado escorrer pela sua testa marrom... O cheiro da morte preencheu suas narinas envenenadas pelo pavor. Tomado pelo desespero, encolheu-se entre as ranhuras do galho, mesclando-se ao plano de fundo. YYYY, por outro lado, com suas listras azul, verde, rosa choque, laranja e amarelo marca-texto, apenas olhou para cima, com uma expressão mista de ingenuidade e estupidez. Fez seu último coração com a mão quando as garras do gavião cravaram corpo frágil e o levaram para longe, para além de onde a terra beija o céu.
         Passado o susto, XXXX levou uma vida confortável e feliz, escondendo-se do gavião de quando em quando; e tornando-se uma bela e covarde borboleta (também marrom) voando de flor em flor, roubando-lhes o doce néctar de suas entranhas perfumadas. Morreu de velhice certo tempo depois, serenamente, numa mortalha de pétalas de narciso.

         Moral da história: bom... acho que não preciso explicar.
        
         PS: Se não tiver ficado claro sobre o que isso se trata, dá uma olhada no marcador desse post.

2 comentários:

| Duílio Castro disse...

Metáfora. Meta. Fora. Ora.

| Duílio Castro disse...

P.S.: Acho que nem XXXX e nem YYYY. Eu, neste contexto, seria o gavião.