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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

crossroads

Entrei no meu quarto um dia desses e encontrei o velho LP do Blues Etílicos “Água Mineral”, de 1989. Coloquei-o no toca-discos. Uma das faixas me chamou a atenção, não que eu não a tivesse ouvido antes, pelo contrário, uma das minhas favoritas, mas foi o seu compositor, indicado no envelope do disco: Robert Johnson. “Crossroads” A faixa em questão, originalmente intitulada “Cross Road Blues” gravada por Robert Johnson em 1936, e lançada um ano depois, é uma das mais importantes canções da história do blues e do rock. Resolvi ouvir a versão original (no PC mesmo, com a qualidade que se espera de um mp3 de 128 Kbps), e compreendi o porquê da relevância cultural dessa música. Apesar de a gravação original ser bastante precária (antiga, para dizer com um pouco mais de eufemismo), ela exemplifica toda razão do blues, todo o feeling que fica a flor da pela nas gravações de Muddy Waters, John Lee Hooker, Willi Dixon, Tommy Johnson, entre outros grandes nomes. Não sinto receio algum ao dizer categoricamente que a maior parte da produção musical que se seguiu nas sete década que vieram, e aqui eu me refiro ao rock e suas variantes, ao pop, ao funky (o original), ao black music, ao soul, talvez até ao gospel, e por aí vai em etc, etc, etc..., tem se não um, os dois pés naqueles dois minutos e meio eternizados naquele outono em San Antonio.
Confesso que parte de mim ficou triste, ao perceber que, apesar de tudo, “Cross Road Blues” é um gigante desconhecido, empoeirado e lembrado apenas por alguns que desejam saber mais sobre aquilo que deixa entrar em seus ouvidos. Acredito que existem certas canções que deveriam ser ouvidas por todas as pessoas, especialmente por nós, brasileiros, com nossa cultura tão fortemente influenciada pela norte-americana. Não tenho a pretensão de dizer às pessoas o que é bom ou ruim; o que presta e o que não presta. Mas eu, citando a analogia que ouvi certa vez em algum lugar (já não me recordo onde), penso que música é como bebida: existe coca-cola e existe Uísque Escocês tipo pure malt, cada um decide o que desce pelo seu esôfago...
          E eu juro que tenho vontade de chorar quando eu vejo que as sete décadas de história e evolução musical que se seguiram a partir de Johnson, culminaram naquele aborto que as pessoas chamam de hardcore, emocor e happy rock.
É basicamente isso. Se alguém se interessar ou gostar de blues, abaixo seguem uma lista de álbums e artistas que merecem ser ouvidos.

- King Of The Delta Blues Singers - coletânea de Robert Johnson
- Complete Rec. Works(1928-1929) - Tommy Johnson
- Mr. Lucky – John Lee Hooker 
- Água Mineral e Salamandra - Blues Etílicos
- Electric Mud – Muddy Waters 
E também a versão de Crossroads do Cream, de 1968.


E ainda tem muita coisa que nem cabe aqui...



porque nada jamais foi a mesma coisa depois daquela noite na encruzilhada da 61 com a 49...

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

uma história sobre lagartas

        Era uma vez duas lagartas. A primeira chamava-se XXXX e a outra YYYY. Ambas viviam num frondoso abacateiro que crescia num belo bosque arborizado, num belo parque cercado com arame farpado, localizado em um centro de cidade qualquer. As lagartas eram grandes amigas: faziam tudo juntas desde muito pequeninas. Elas apostavam corrida pelo tronco acima, ou brincavam de pega-pega pelos galhos ou jogavam esconde-esconde, se perdendo entre as verdíssimas folhas. Entretanto, com o passar do tempo, as lagartas foram ficando cada vez mais diferentes: a princípio apenas pelo lado de dentro. XXXX notara a fenda que surgia entre ele seu amigo quando eles discordaram pela primeira vez; mas ele não se assustou, pelo contrário, ele esperava com uma certeza terrível que isso acontecesse. YYYY não deu muita importância, e tudo aconteceu enquanto ele vagava sozinho pelos ramos.
         E conforme o carrossel do tempo ia girando, XXXX e YYYY iam se tornando cada vez mais diferentes; e desta vez não apenas por dentro, mas também por fora. XXXX havia perdido sua coloração verde original e havia ganhado um tom melancólico de marrom, muito semelhante à tonalidade da casca de sua imponente árvore. YYYY também deixara para trás sua coloração verde, mas ao invés da deprimência do marrom, optara pela alegria (exagerada, eu diria) das cores vivas, cada vez mais e mais vibrantes.
         Um belo dia, XXXX e YYYY andavam em direções opostas, quando se cruzaram num dos nós do galho mais alto do abacateiro. Não se falaram. XXXX tentou o contato visual, tentando arriscar um sorriso amarelo, mas YYYY apenas desviou os olhos e seguiu seu caminho. Pouquíssimos segundos se passaram. Sobre suas cabeças de lagarta ouviu-se o grito estridente de um gavião. XXXX sentiu uma vibração pouco familiar subir pela sua espinha de invertebrado e uma gota de suor gelado escorrer pela sua testa marrom... O cheiro da morte preencheu suas narinas envenenadas pelo pavor. Tomado pelo desespero, encolheu-se entre as ranhuras do galho, mesclando-se ao plano de fundo. YYYY, por outro lado, com suas listras azul, verde, rosa choque, laranja e amarelo marca-texto, apenas olhou para cima, com uma expressão mista de ingenuidade e estupidez. Fez seu último coração com a mão quando as garras do gavião cravaram corpo frágil e o levaram para longe, para além de onde a terra beija o céu.
         Passado o susto, XXXX levou uma vida confortável e feliz, escondendo-se do gavião de quando em quando; e tornando-se uma bela e covarde borboleta (também marrom) voando de flor em flor, roubando-lhes o doce néctar de suas entranhas perfumadas. Morreu de velhice certo tempo depois, serenamente, numa mortalha de pétalas de narciso.

         Moral da história: bom... acho que não preciso explicar.
        
         PS: Se não tiver ficado claro sobre o que isso se trata, dá uma olhada no marcador desse post.