Hoje
o céu estava estrelado, era uma noite escura... Mas o céu estava estrelado. Eu
percebi sem querer, quando olhava para cima, em outras das minhas intermináveis
divagações. Foi num segundo: meus olhos apenas se desviaram para o alto, sem
notar, sem que quisessem notar. E lá estavam elas, cintilantes, vibrando
estaticamente no infinito breu da noite. Eu me senti pequeno... Me senti
ínfimo: um corpo microcentesimal vagando sem rumo pelo asfalto. Mas não era
importante. As estrelas eram apenas luzes distantes, e eu, apenas um observador
ainda mais distante.
sábado, 17 de setembro de 2011
sábado, 12 de março de 2011
nuvens, estrelas e os grilos no jardim
É estranho como as palavras parecem se distorcer no papel após escorrer da minha mente. Estranho e às vezes até engraçado. Pode ser alguma maldição inexplicável essa prolixidade inevitável que permeia as linhas e as entrelinhas desses parágrafos. Isso me faz duvidar também do que eu escrevo, ou do que eu penso; afinal de contas eu não sei dizer ao certo o que é mais verdadeiro. Entre o concreto e o abstrato existe uma diferença maior do que a própria matéria. Talvez sejam apenas as contradições entre ideias e planos, sonhos e realidades... Conjecturas e fatos! Não desconfio das minhas mãos quando elas escrevem, desconfio do meu cérebro quando ele pensa. Eram as velhas e terríveis nuvens que flutuam em minha mente; ou pelo menos eu apenas pensava assim.
Mas ainda não cheguei ao ponto que eu queria. E o mais triste é que talvez eu nunca chegue. Como eu disse, não há como evitar a discrepância de valores e significados entre o que eu penso e o que escrevo; entre o que eu vejo e o que eu sinto; entre o que eu percebo e o que eu entendo. Azul nem sempre é azul e flores nem sempre tem o perfume que nós esperamos que elas tenham. O mais bizarro é que isso vai além do universo egoísta enterrado em baixo das camadas e mais camadas (cada vez mais espessas) da minha pele. É provável que se estenda para além dos infinitos olhos e ouvidos das multidões, além do silêncio sepulcral das vielas abandonadas e do cinza triste dos quilômetros e quilômetros de cidades e estradas asfaltadas.
Talvez tenha sido o melhor dia da minha vida, quando descobri (ainda não sei se cedo ou tarde demais) que as contradições não estavam em mim, mas sim em todos os lugares onde eu ousava colocar meus pés.
Foi um grande alívio; tirar o peso do universo das costas.
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
society, have mercy on me...
I hope you're not angry if I disagree...
Certa vez acordei com um monstro me encarando. A princípio, fiquei como se espera que qualquer pessoa fique: aterrorizado. Eu mantinha sempre meus dois olhos abertos, vigiando, mas sem jamais olhar diretamente em seus olhos vermelhos e opacos. E ele lá permanecia, como uma gárgula sinistra, parado, impassível, silencioso... apenas o som pesado de sua respiração me fazia gelar. Era a bestial quimera, que se esconde sob a alcunha de sociedade.
Eu tentei me esconder. Ergui muros de concreto; portas de madeira e cortinas de linho: tudo sob a escuridão de uma lâmpada apagada. Mas ela veio atrás de mim pelas frestas da janela, pelas rachaduras da parede, pelo vão embaixo da porta... Ela me atingiu em cheio e me envolveu em sua mortalha negra e silenciosa. Contorci-me tentando me desvencilhar, mas eu era apenas uma criança, nada pude fazer senão ceder. Tornei-me um escravo, um reles escravo: um escravo que carregava consigo a eterna promessa de um dia ser livre.
Eu cresci. Agora eu tinha o poder, o poder de me erguer, de lutar, de insistir. Tinha o poder da rebeldia, da força de vontade. Eu tinha o poder, mas não tinha a coragem. Tentei ir à luta mas, quando ganhei minha primeira ferida, me escondi atrás de uma pedra; fiquei observando as nuvens passarem e meu sangue parar de escorrer. Mas elas não passavam. O sangramento não estancava. Baixei meus olhos. Foi quando eu vi a fila dos desvalidos, dos fracos e infelizes; e eles caminhavam acorrentados a uma pedra gigantesca. Não se ouvia sequer um ruído, nenhum suspiro, nem mesmo seus passos trôpegos sobre o mármore do altar de sacrifício produzia som algum. Ouvi meus pensamentos. Vi o brilho das correntes. Vi a quimera voando em círculos sobre minha carcaça. Vi o rastro escarlate se estendendo pelo chão. Eu tinha escolhas. Eu tive UMA escolha...
Olhei para o outro lado e não vi ninguém. Ninguém com o rosto nu, ninguém de peito aberto, ninguém armado, rodopiando no campo de batalha. Estavam todos quase mortos, desacordados, espalhados pelo chão. Eram as sementes do fracasso eminente dos que ainda viriam. Fechei meus olhos para tudo aquilo. Levantei e voltei para o campo de batalha. Eu cuspi meus pulmões em um grito de escárnio. O monstro pousou a minha frente e me encarou enfurecido; e também cada soldado do seu exército de mortos-vivos o fez, cada alma contaminada pela sua mordida imunda. Fique paralisado pelo medo, minha voz partiu definitivamente, deixando apenas o silêncio vão escorrendo pela minha boca. Caí de joelhos e implorei por sua clemência. Eu não podia lutar e não podia fugir, eu apenas podia oferecer minha alma em troca da minha vida. Senti então seus dentes fétidos perfurarem minha pele; e agora eu era apenas outro morto-vivo, tentando achar abrigo sob as asas da quimera.
Fizeram-me acreditar que homem algum jamais poderá ser livre.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
seven simple rules for life in hiding
One...
Two...
Each is temporary and quick to sway.
Three...
look deep into the eyes of he who asks.
He will not ask you again.
Number four and five...
And if ever told to look at yourself...
Never look.
Six...
Never say or do anything the person standing in front of you cannot understand.
And seven...
Never create anything.
It will be misinterpreted.
It will chain you and follow you for the rest of your life.
And it will never change.
Extraído do filme Não Estou Lá (I'm Not There) [2007] de Todd Haynes.
segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
eles e eu
Quem sou eu, afinal de contas? A imagem refletida no espelho, as sinapses explodindo atrás dos meus olhos ou a foto sem sorriso estampada no meu currículo? Tenho pensado muito sobre isso e, como é comum acontecer, não tenho chegado a resposta nenhuma. O Que importa para o mundo, para a sociedade: o que eu sei ou o que eu sou? O que eu gosto de fazer é realmente relevante em contrapartida ao que eu sei fazer? As pessoas tem a audácia de me olhar de cima a baixo e me dizer quem eu sou. Elas pensam que podem me ler, como se eu fosse um simples papel dentro de um biscoito da sorte. Eles não podem. Não importa quantos psicólogos, terapeutas ou antropólogos eles tragam. Não importa quanta experiência eles tenham. São apenas cegos quando olham para mim (ou para qualquer outro) e desenham qualquer coisa, simplesmente para negar a própria natureza incapaz.
Eles me perguntam o que eu quero, o que eu espero, o que eu vejo quando olho para mim mesmo, e me fazem desenhar tudo isso, me fazem expor a nudez dos meus pensamentos apenas para me dizer que eu estou errado, que eu não sou o bastante para sua elite fétida e decadente. Então eles me fazem sentir como se eu estivesse implorando por sua misericórdia. Me seguram contra parede e violentam minhas esperanças e espancam meus sonhos até a morte. E a eles eu digo: eu não preciso de sua misericórdia imunda. Eu não sou um filhote numa vitrine de um pet shop, e não vou mais permitir que me valorizem pela cor dos meus dentes.
Confesso que parte de mim se sente assustada em escrever essas palavras, e mais ainda, em torná-las públicas. Essa parte tem medo de represálias futuras. Medo de que algum deles leia e julgue isso demasiadamente ofensivo. Mas essa parte de mim eu simplesmente desprezo, pois é parte que se cala quando vê algo errado, é a parte covarde e mesquinha. É a parte minha que eu nem mesmo gosto de chamar de eu. Para ela eu digo: que leiam! Que tirem suas conclusões infames, que me julguem e me condenem (ou me inocentem)! Que façam o que diabo eles quiserem fazer. Eu já não me importo mais.
Estou cansado de ser vítima de um sistema que nos humilha, aliás, faz com nós mesmos nos humilhemos ou imploremos para ser humilhados, o que é infinitamente pior. Não tenho a ousadia de me considerar um transgressor, e nem quero ter. Não sou rebelde, já passei da idade de ser rebelde, mas eu prefiro ser um conformista relutante a ser simplesmente um conformista, o que para mim nada mais é do que um eufemismo para ignorante. Então que todos se entreguem a podridão, que todos se encham de orgulho ao finalmente encontrar o seu encaixe como uma engrenagem numa máquina imensa: uma engrenagem que gira sempre na mesma velocidade e no mesmo sentido. Que se encham de dinheiro para comprar todas as coisas que não precisam e engasguem com toda a comida que não cabe em seus estômagos.
Eu continuarei aqui, eternamente me humilhando; lambendo o chão atrás das migalhas nojentas que eles raramente deixam cair...
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
crossroads
Entrei no meu quarto um dia desses e encontrei o velho LP do Blues Etílicos “Água Mineral”, de 1989. Coloquei-o no toca-discos. Uma das faixas me chamou a atenção, não que eu não a tivesse ouvido antes, pelo contrário, uma das minhas favoritas, mas foi o seu compositor, indicado no envelope do disco: Robert Johnson. “Crossroads” A faixa em questão, originalmente intitulada “Cross Road Blues” gravada por Robert Johnson em 1936, e lançada um ano depois, é uma das mais importantes canções da história do blues e do rock. Resolvi ouvir a versão original (no PC mesmo, com a qualidade que se espera de um mp3 de 128 Kbps), e compreendi o porquê da relevância cultural dessa música. Apesar de a gravação original ser bastante precária (antiga, para dizer com um pouco mais de eufemismo), ela exemplifica toda razão do blues, todo o feeling que fica a flor da pela nas gravações de Muddy Waters, John Lee Hooker, Willi Dixon, Tommy Johnson, entre outros grandes nomes. Não sinto receio algum ao dizer categoricamente que a maior parte da produção musical que se seguiu nas sete década que vieram, e aqui eu me refiro ao rock e suas variantes, ao pop, ao funky (o original), ao black music, ao soul, talvez até ao gospel, e por aí vai em etc, etc, etc..., tem se não um, os dois pés naqueles dois minutos e meio eternizados naquele outono em San Antonio.
Confesso que parte de mim ficou triste, ao perceber que, apesar de tudo, “Cross Road Blues” é um gigante desconhecido, empoeirado e lembrado apenas por alguns que desejam saber mais sobre aquilo que deixa entrar em seus ouvidos. Acredito que existem certas canções que deveriam ser ouvidas por todas as pessoas, especialmente por nós, brasileiros, com nossa cultura tão fortemente influenciada pela norte-americana. Não tenho a pretensão de dizer às pessoas o que é bom ou ruim; o que presta e o que não presta. Mas eu, citando a analogia que ouvi certa vez em algum lugar (já não me recordo onde), penso que música é como bebida: existe coca-cola e existe Uísque Escocês tipo pure malt, cada um decide o que desce pelo seu esôfago...
E eu juro que tenho vontade de chorar quando eu vejo que as sete décadas de história e evolução musical que se seguiram a partir de Johnson, culminaram naquele aborto que as pessoas chamam de hardcore, emocor e happy rock.
E eu juro que tenho vontade de chorar quando eu vejo que as sete décadas de história e evolução musical que se seguiram a partir de Johnson, culminaram naquele aborto que as pessoas chamam de hardcore, emocor e happy rock.
É basicamente isso. Se alguém se interessar ou gostar de blues, abaixo seguem uma lista de álbums e artistas que merecem ser ouvidos.
- King Of The Delta Blues Singers - coletânea de Robert Johnson
- Complete Rec. Works(1928-1929) - Tommy Johnson
- Mr. Lucky – John Lee Hooker
- Água Mineral e Salamandra - Blues Etílicos
- Electric Mud – Muddy Waters
E também a versão de Crossroads do Cream, de 1968.
E ainda tem muita coisa que nem cabe aqui...
E ainda tem muita coisa que nem cabe aqui...
porque nada jamais foi a mesma coisa depois daquela noite na encruzilhada da 61 com a 49...
sábado, 11 de dezembro de 2010
pela janela do trem
Esse texto é uma das coisas das quais eu mais tenho orgulho de ter produzido. Foi publicado originalmente em 1º de junho de 2009 no "Pensa pra quê?", mas eu achei válido publicá-lo mais uma vez.
Onze horas da manhã. O dia ainda está entre a preguiça da manhã e a velocidade do meio-dia. Pelo menos para alguns. Eu embarco no segundo vagão do trem que ruma para São Paulo, para a velha e movimentada Estação da Luz. Sento-me à janela enquanto uma voz fala a todos que o trem está de partida. Muito devagar o trambolho começa a se mover ― tromp-tromp-tromp ― e num minuto estamos a toda velocidade.
Meus olhos colam no que passa rasgando pelo vidro. O que está mais afastado permanece mais tempo na janela, o que está mais próximo apenas passa pela minha visão como uma mancha difusa. Em uma fração de segundo fica para trás, como tudo mais nessa vida.
Eu vejo a Serra imponente se erguendo sobre a cidade, vejo a sombra da fumaça das indústrias, e vejo também as torres de eletricidade despontando sobre o seu lombo verdejante. Tudo parece tão erroneamente perfeito à distância. Toda sujeira converge em um ponto de inacreditável limpeza. A desordem se torna ordem quando ela se torna parte do comum. A Serra bloqueando minha vista do horizonte repousa em singela paz.
A cada metro que avançamos a paisagem muda. É como uma sequência interminável de fotografias coloridas. Uma colcha feita com os retalhos da realidade que passam pela janela do trem. De maneira extraordinária, essas partes não se encaixam devidamente, muito pelo contrário, elas parecem peças erradas de um quebra-cabeça impossível de ser montado, ao mesmo tempo em que formam uma imagem muito nítida de um mundo que de fato existe, e com todo o direito de existir.
E as cenas vão seguindo: uma menina sentada num muro observa os carros que passam pela estrada; mais adiante, três garotos jogam bola num campinho judiado. O sol quente brilha forte sobre um velho senhor, que se protege sob uma chapa de madeira empenada, enquanto, sentado à beira uma ponte, pousa seus olhos austeros sobre o lento e malcheiroso córrego sobre o qual pendem seus pés. Tudo flui com a costumeira calma.
Um rapaz empina uma pipa sobre a laje de uma casa. Os carros se enfileiram feito formigas, seguindo pela estrada paralela a ferrovia. Nenhum deles tem um destino, não para quem os observa de dentro do trem. Ali está a fábrica de papel com seus depósitos de eucalipto e suas chaminés a expelir constantemente a pálida fumaça branca. E as pichações dos muros trazem em suas costas histórias que se encontram a anos-luz de mim. Pelo vidro eu vejo árvores florindo, crianças brincando, alegrias e tristezas disputando espaço no universo; vejo o mundo girando com rapidez, mas nunca com pressa.
Depois de um tempo o trem finalmente chega ao seu destino. Eu desembarco. Entretanto, logo atrás dele, vem outra composição, trazendo mais pessoas e passando novamente pelos mesmos lugares. Amanhã, certamente embarcarei no mesmo vagão, no mesmo horário e verei tudo novamente. Mesmo que o velho senhor não esteja balançando seus pés sobre o riacho, e mesmo que ninguém esteja jogando bola no campinho de terra, a pintura continuará a mesma. É sempre preciso que algo passe para que outra coisa comece ou recomece. Afinal, como disse José de Alencar em Iracema: tudo passa sobre a terra.
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